2017 em filmes

Quando eu comecei esse blog em 2013, eu não sabia que eu ia terminar o ano cursando uma faculdade de cinema. Eu não sabia que eu tinha um filme favorito, e eu não sabia que eu gostava de escrever sobre filmes. Eu nem sabia escrever direito (e eu ainda não sei).

Eu terminei a faculdade de cinema esse ano, e a minha vida tá bem mais confusa e incerta do que estava quando eu deixei esse blog, no final de 2013. Não vou dizer que tá objetivamente ruim (2017 foi um ano confuso pra todo o mundo aparentemente), mas certamente tá bem diferente. Eu tenho um filme favorito. Eu gosto de escrever sobre os filmes que eu vejo. (Eu não tenho mais um trabalho, mas eu tô tentando me focar nas coisas boas).

2017 foi um ano muito bom pros filmes que eu vi, inclusive. Acho que é o ano com os melhores filmes desde 2012 — quando eu comecei a catalogar as coisas que eu via —, e a maioria dos grandes filmes estrangeiros ainda nem chegaram por aqui — Lady BirdMe Chame Pelo Seu NomeVisages Villages120 Batimentos por SegundoA Arte da Discórdia, pra citar só o que tá na conversa por aí. Eu vi ótimos filmes nos cinemas, no Netflix (que eu queria ter visto no cinema), no MUBI (que fez umas programações especiais belíssimas), e minha coleção de blu-rays e DVDs cresceu bonito esse ano. Foi particularmente difícil definir só cinco filmes que eu gostei, então eu queria deixar aqui Jackie, Blade Runner 2049, Z – A Cidade Perdida, O Estranho que Nós Amamos, Paterson e Personal Shopper como os outros filmes que eu amei esse ano, e que você deveria dar uma chance também.

Se você já leu um dos meus posts de retrospectiva dos anos anteriores (2016, 2015 e 2013), vai se familiarizar. O formato é quase o mesmo: eu escolho as cinco melhores estreias1 (filmes lançados comercialmente no Brasil em 2017), as cinco melhores descobertas (filmes que eu vi pela primeira vez em 2017, mas foram lançados em outros anos), as cinco melhores revisões (novidade, tirei as “surpresas”, e agora coloco os melhores filmes que revi esse ano) e os cinco piores filmes (sem restrição). Vamos começar!

Melhores estreias

Star (Sasha Lane) levanta o braço em êxtase sob o céu azul

1. Docinho da América
American Honey. Andrea Arnold, 2016.

Meu filme favorito desde o início do ano, Docinho da América (da mesma diretora de Fish Tank, que eu também adoro) foi como um gancho que me pegou pelo estômago e só me largou três horas depois. Seguindo Star pelo interior profundo dos Estados Unidos, Andrea Arnold observa o que existe daquele paraíso que as pessoas acreditam ser a “América”, um lugar que tanto ela quanto Star descobrem que não existe e nunca existiu, mas que pode-se ver os vestígios em cada rosto daqueles jovens, em cada uma das casas de subúrbio, e nos horizontes infinitos que a Arnold se apaixona tanto quanto Wim Wenders em Paris, Texas. É um filme gigante e poderoso, e eu não duvido que eu nunca mais vou revê-lo, mas que vai viver pra sempre dentro da minha pele.

2. Certas Mulheres (Certain Women, 2016). Eu descobri esse ano que Kelly Reichardt é uma das minhas diretoras favoritas, e Certas Mulheres é o melhor filme dentro de uma fantástica carreira. Íntimo, quieto e empático, esse é um dos filmes que eu me vejo revendo de tempos em tempos, e só amando mais (como se isso fosse possível).

3. De Canção em Canção (Song to Song, 2017). Eu não sou o maior fã da nova safra do Malick (Amor Pleno, Cavaleiro de Copas e Viagem do Tempo), mas De Canção em Canção é um estranho filme que me impressionou por ser íntimo e desesperador — e que me deixou empolgado pra ver o que o diretor vai fazer mais.

4. Mulheres do Século 20 (20th Century Women, 2016). Eu não sou o maior fã de Toda Forma de Amor, mas esse novo filme do Mike Mills é cheio de carinho e de graça pelas suas personagens, e eu amo cada segundo dele com todo o meu coração. É o filme que eu mais gostei de ver o ano inteiro, e o primeiro que eu senti algo tão bom e reconfortante desde a primeira vez que eu vi Ela, há anos.

5. Toni Erdmann (2016). Que sessão maravilhosa a que eu fui assistir esse filme maravilhoso. Toni Erdmann já é uma obra-prima, e ver quanta emoção os meus colegas de sala compartilharam comigo foi mágico. Revendo ele em casa isso só se confirma: o filme da Maren Ade é cheio de energia, vigor e coragem, e foi o mais audacioso filme que eu vi nos cinemas esse ano.

Melhores descobertas

1. Jonas e Lila, até amanhã
Jonas et Lila, à demain. Alain Tanner, 1999.

Jonas e Lila, dois jovens com meados de 20 anos, sorriem um para o outro

2017 foi difícil, e revelou pra mim mesmo o meu pior lado — furioso, (ainda mais) cínico e cheio de desprezo. Jonas e Lila, até amanhã me deu esperanças de que, bem, não que o mundo é melhor do que o que o que eu tive na minha cabeça esse ano, mas que ao menos temos esperanças quando enfrentamos ele juntos. Jonas e Lila… pode até parecer desesperador em determinados momentos, mas tem aquela força que eu reconheço de filmes como O Profeta, de capturar um exato momento e lugar, com todos os seus defeitos e pequenos infernos, e torná-lo tão específico a ponto de ser universal e de revelar a humanidade que está por trás dele, e que nos ajuda a encarar o abismo existencial juntos. Vi no MUBI e tive a sorte de rever na Mostra. É um dos meus novos filmes favoritos que esse ano trouxe.

2. A Liberdade é Azul (Trois couleurs: Bleu, 1993). Meu primeiro filme da Trilogia das Cores (que eu tô atrasadíssimo), e eu não sei o que eu tava esperando pra ver esse filme belíssimo. É o tipo de cinema que eu amo: quieto, que ressoa como um suspiro dentro do teu corpo. Inesquecível. DVD.

3. Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (Khane-ye doust kodjast?, 1987). Vi por causa do TCC, mas tô tão feliz de ter visto — e que me incentivou a ver muito, mas muito mais Kiarostami (o gênio por trás de Cópia Fiel e Um alguém apaixonado). É simples e simpático, elementar até. DVD.

4. A Longa Caminhada (Walkabout, 1971). Vi um filme do Roeg no meu aniversário (O Homem que Caiu na Terra) e ele ficou como uma marca de queimado no meu cérebro, porque dói lembrar mas ao mesmo tempo eu não consigo não querer lembrar disso (e é legal ficar furungando). A Longa Caminhada eu vi depois de tanto ser citado em The Leftovers, e é como o filme com o Bowie: único — e no bom sentido. Me fez querer ver mais Roeg, e é uma linda parábola do colonialismo que a Austrália é tão interessada em ilustrar em seus filmes. (DVD).

5. Retrato (Portret, 2002). Esse curta do Sergei Loznitsa é magnífico (como todos os outros curtas que vi dele, que tive o prazer de assistir por causa de uma retrospectiva do MUBI), e usa das imagens com movimentos duros e trucagens para penetrar na mente e não sair mais. É como ser testemunha de um mundo alternativo, que pede teu silêncio e que não quer ser encontrado. É, literalmente, um cinema que funciona como janela.

Melhores revisões

Cópia Fiel

1. Cópia Fiel
Copie Conforme, Abbas Kiarostami, 2010.

Uma obra-prima.

Tive que escrever 50 páginas sobre esse filme e, mesmo assim, eu só raspei a superfície. Eu acho que eu vou rever Cópia Fiel enquanto eu viver, e nunca vou conseguir entender tudo o que ele faz em mim. É um mistério, afinal de contas.

2. Sans soleil (1983). O filme/relato/ensaio do Chris Marker é a outra obra-prima que eu assisti esse ano, e que eu quero rever de novo e de novo.

3. Zodíaco (Zodiac, 2007). Eu falo sobre esse filme todos os anos. Eu nunca me canso. Eu amo esse filme demais.

4. Citizenfour (2014). O documentário da Laura Poitras é um dos mais importantes filmes que eu já vi. É como se a história fosse escrita na frente da câmera.

5. O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel, 2013). O filme-missão do Wes Anderson, e o seu melhor filme até hoje. Eu adoro esse filme, é como comer um pote de brigadeiro que não acaba e não queima a boca.

Piores filmes

Deuses do Egito

1. Deuses do Egito (Gods of Egypt, 2016). Chato e sem criatividade. Uma pena que não é nem difertido de tirar sarro, é só entediante.

2. Internet – O Filme (2017). Eu felizmente não consegui assistir esse filme inteiro então obrigado a todos os envolvidos.

3. Reality do Medo (The Task, 2011). Uma das coisas bacanas de 2017 foi ver filme de terror ruim nas madrugadas. Esse foi com certeza o pior.

4. Demônio de Neon (The Neon Demon, 2016). Não vou dizer que não é interessante e lindo de assistir, mas eu tô meio cansado dessa estética tão plástica, mas tão plástica, que me dá vontade de colocar a mão na tela e entortar alguma coisa um pouco.

5. Piranha 3DD (2012). Eu nem sei como isso é uma sequência. Nem como isso consegue ser pior.


  1. Eu não coloquei filmes que foram exibidos na Mostra esse ano mas ainda não foram lançados (24 FramesVisages Villages ficam pra 2018). 

2016 em filmes

O ano tá acabando e tu sabe o que isso quer dizer.

Diferente do ano passado, eu vi muito filme em 2016. Segundo o Letterboxd eu vi mais de 500. Foram mais de mil horas sentado vendo filme (bem, eu não vi todos os filmes sentado, pra dizer a verdade). E a maioria dessas horas valeu.

Fora esses posts de retrospectiva anual, eu não ando mais atualizando esse blog. Bem que eu queria, mas eu gosto tanto de ficar comparando minhas opiniões anteriores sobre os filmes que eu vejo e revejo que acho esse espaço mais importante pra mim do que qualquer outra coisa. Então as vezes eu volto pra dar uma lida, ver no que eu evoluí em questão de perceber o cinema, e o que eu continuo igual (fora Upstream Color, minhas opiniões não mudaram muito desde 2013).

Se tu ainda tiver vontade de saber o que eu ando assistindo, eu atualizo meu Letterboxd quase que diariamente — e algumas vezes eu posto algumas observações sobre algum filme lá. Eu continuo escrevendo no PCM, então é certo que tu encontra algo novo pra ler ali naquelas bandas (assina o feed ou segue no Twitter pra saber quando tem post novo).

Lembrando como funciona essa pequena retrospectiva: eu escolho os cinco melhores filmes que eu vi no cinema; os cinco melhores filmes que eu vi em casa; os cinco piores filmes que eu vi no ano e, finalmente, os cinco melhores filmes do ano na minha opinião. Eu decidi mudar, porém: os cinco melhores filmes vistos em casa agora só valem primeiras vezes (até porque Uma Mulher Sob Influência ficar ali toda vez não é justo). De resto vale tudo. Vamo lá.

Melhores filmes vistos no cinema

1. Aquarius.

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Batata. Aquarius é um dos filmes mais poderosos que eu vi esse ano. Ele não é só um grande filme brasileiro, ele é um grande filme que pertence a um tipo de cinema que realiza filmes essenciais não só pelo seu tema, mas também pela sua precisão em como usar o cinema para contar sua história. Muito como Fincher em A Rede Social, Kleber Mendonça Filho usa do seu domínio da linguagem cinematográfica pra contar uma história sobre memória e luta, um grito não só de Clara como do cinema, urrando para manter seu legado enquanto observa e absorve o futuro.

Aquarius é um filme tremendo por ter tudo em seus conformes. Me incomoda um pouco a insensibilidade com que o filme trata outros personagens que não são a Clara, mas eu quase esqueço disso quando ela tá no quadro. Sônia Braga torna Aquarius em seu tour-de-force, seu próprio legado. Em um filme que ama tanto sua personagem (algo que eu acho extremamente raro num cinema brasileiro que é tão preocupado com o discurso), Kleber Mendonça exibe sua força em contar histórias que ele já havia mostrado em O Som Ao Redor de uma maneira muito mais direta e potente. As vozes daquele filme se tornam na voz de Clara. Se falta a pluralidade, não falta a precisão. Aquarius é um filme monumental como poucos. E é cinema essencial.

E também:

2. O Abraço da Serpente. Eu quase coloquei O Abraço da Serpente em primeiro lugar. Só não coloquei porque eu preciso rever ele tanto quanto eu tive a oportunidade de rever Aquarius. Mas O Abraço da Serpente é um filme que maravilha e assombra em mesma medida. O grande cinema que é em igual medida de fascínio e temor da autodescoberta no meio da Amazônia. No momento que O Abraço da Serpente começou eu sabia que eu estava vendo um filme que viverá na história do cinema.

3. A Chegada. Um filme que trata com carinho, e com cuidado, as armadilhas e as possibilidades da comunicação. Além disso, é um puta filme de ficção científica e Amy Adams tá demais.

4. Cemitério do Esplendor. Estar preso entre sonho e realidade nos filmes de Weerasethakul nunca decepciona. É uma jornada e tanto.

5. Tangerina. A euforia chega a sair da tela. Ainda bem, elas precisavam tomar fôlego.


Melhores filmes vistos em casa

1. Picnic na Montanha Misteriosa.

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Porra, tá aí um filme difícil de falar. Foi amor a primeira vista. Eu precisava de um filme que me apresentasse algo novo. Picnic na Montanha Misteriosa não me mostrou só o cinema australiano. Ele me mostrou o mistério. E eu me fascinei por ele.

Tudo em Picnic na Montanha Misteriosa é fantástico. Seja o modo como Weir filma — é quase como um sonho, mas o calor naqueles espartilhos é real demais —, seja na maneira brusca que o mistério acontece, e não se preocupa em momento algum a se resolver. É quase realismo fantástico, mas mais macabro: é como se Weir indicasse que, quando se coloniza aquilo que não é seu, a terra tomará suas providências. Como se tivessem sido engolidas pelas pedras, as meninas que se perdem na Hanging Rock não voltariam a ser vistas mais. É um filme que não te dará respostas, mas jamais vai te impedir de fazer mais perguntas.

E também:

2. O Peso do Silêncio. O filme mais importante, e forte, que eu vi esse ano. É mais do que um complemento a O Ato de Matar. É a profundidade necessária.

3. Ulysse. Agnès Varda faz de uma foto uma das melhores jornadas que tive no cinema esse ano. E em 20 minutos.

4. Gosto de Cereja. Eu não quero nem lembrar que 2016 nos levou Kiarostami. Gosto de Cereja é uma obra-prima.

5. Amantes. O desespero dos personagens de Cassavetes é tão real, e tão próximo da nossa carne, que eu provavelmente não vá assistir Amantes de novo. Ou vá, porque a cicatriz é linda.


Melhores surpresas

1. Upstream Color.

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Desde a primeira vez que eu vi esse filme (e minha indignação é legível nesse post), ele não saiu da minha cabeça. Ainda bem que eu dei uma segunda chance. Upstream Color é uma jornada essencial em busca da conexão. Se não viu, corre pra ver. Não é só “uma experiência” como as pessoas gostam de dizer por aí quando um filme não só te conta uma história, mas te põe nos pés dos personagens. É uma linda carta de amor para nossa necessidade de se conectar a outras pessoas, e como isso nos dá a humanidade.

E também:

2. T’as de beaux escaliers tu sais. Agnès Varda, esse monstro do cinema, faz uma homenagem à Cinemateca Francesa em 150 segundos onde consegue falar do seu amor pela arquitetura, pelas Cinemateca e, claro, pelos filmes.

3. Looking: O Filme. Deixa eu te falar como se faz fan service: esse filme.

4. 10.000 km. Ah, eu achei que ia odiar esse filme. Eu acabei apaixonado pelos personagens.

5. As Mil e Uma Noites: Volume 2, O Desolado. Bem, isso foi estranho. Absurdamente recompensador, também.


Piores filmes

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1. Dracula 3D. Pelo visto Dracula 3000 não é o pior filme que eu já vi. Caralho, Argento.

E também:

2. America: Imagine the World Without Her. Isso existe.

3. Risco Duplo. Nem diverte com a falta de qualidade em absolutamente tudo. Uma pena, queria dar umas risadas.

4. O Maior Amor do Mundo. Esse filme de dia das mães deixou tanto eu quanto minha mãe com vergonha de termos assistido isso.

5. Paraísos Artificiais. Só pra lembrar o Erê que eu odeio ele por ter me feito ver isso.


Melhores filmes

1. Além da Linha Vermelha.

Cena de Além da Linha Vermelha (The Thin Red Line, 1998)

Esse é o filme de Malick que mais entende e se interessa pelos humanos que ele retrata. Os soldados no Guadalcanal, até a cintura imersos na água; sem uma perna; sangrando até a morte; vendo suas vidas se desfazerem enquanto lutam em uma guerra que cada vez perde mais o sentido; olham ao redor. É esse o paraíso que eles roubam e, então, destroem.

Malick é sublime na forma de exibir como a raiva — essa verdadeira doença que é a raiva — é levada até os nativos pela guerra. Como os soldados veem duas crianças brigando entre si por pura ganância. Algo que antes, no início do filme, jamais pudesse ser imaginado. Mas Malick não tá só ali mostrando como a guerra é ruim e tudo o que o homem toca vira cinza. Malick discute a morte, o medo, a dor e a paz no seu melhor filme, e no grande filme de guerra já feito.

E também:

2. Picnic na Montanha Misteriosa. ELES ERAM IRMÃOS, ELA FOI VISITAR ELE.

3. A Rede Social. Esse, meus amigos, é o grande filme desses tempos.

4. Cópia Fiel. Talvez tenha muito a ser descoberto em Cópia Fiel. Talvez não tenha nada. E talvez isso seja o mais próximo que a gente consiga chegar de compreender como a arte funciona.


Até 2017 com mais filmes! ❤

2015 em filmes

Foram poucos filmes vistos, mas grandes obras acompanhadas.

Oi pessoal, quanto tempo 🙂

No início desse ano eu pensei em vir aqui postar uma lista dos melhores filmes que vi no ano passado, mas me esqueci. Desculpem, nunca mais olhei aqui depois disso. O que é estranho. Olhando as estatísticas, o Um filme por dia ainda recebe em média sete mil visitas por dia (?), o que me assusta uma vez que a última atualização dele foi há mais de um ano.

Mas então, como vão? Faz tempo, né? É verdade. Muita coisa mudou. Se você quiser saber tudo o que mudou, você pode conferir lá no meu blog pessoal. Se você quer continuar recebendo dicas do que eu vejo e eu leio, o PCM vai voltar esse ano, porque eu pretendo tirar mais tempo para escrever (e ler, ando lendo cada vez menos).

Mas então, o que vocês viram esse ano? Eu vi pouquíssimos filmes, mas foram mais que no ano passado. Esse ano eu vi um pouco mais que 220 filmes (digo isso porque sei que vi 217, que estão catalogados no Letterboxd, mas também vi diversos curtas que não possuem registros por lá ainda). Vamos pro nosso querido ranking? Vamos.

Funciona assim: melhores filmes vistos no cinemamelhores filmes vistos em casa contam só primeiras vezes. Melhores filmespiores filmes vale tudo.

Melhores filmes vistos no cinema

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1. 45 anos

Em seu terceiro filme — o segundo de ficção —, Andrew Haigh une uma maturidade visual que tinha desenvolvido em Looking com um roteiro simples e desolador. 45 Anos é o melhor filme que vi esse ano. Um conto devastador sobre o tempo e o amor, e aquelas pequenas percepções que temos em um relacionamento que podem mudá-lo para sempre. O modo como Haigh cria o conflito sem nunca explodí-lo na tela (outros diretores, em filmes de diálogo, fariam uma sequência de briga enorme; Haigh, conhecendo seus personagens, deixa que eles aguentem tudo num silêncio amargurado).

Não são só as atuações de Charlotte Rampling e Tom Courtenay que são sensacionais. Haigh tem um conhecimento de como enquadrar, de como fazer nosso olho viajar por aquilo que ele quer que prestamos atenção, ao mesmo tempo em que uma história compassada lentamente se desenvolve na tela como uma flor morrendo em frente dos nossos olhos. 45 Anos é incrível e ressonante. Não um conto sobre o que nos separa, mas sobre aquilo que suspira em nossas mentes enquanto estamos juntos. Obrigatório.

E também:

2. Divertida Mente: a Pixar voltou com um dos melhores filmes da carreira; Pete Docter cria uma jornada belíssima, divertida e surpreendente naquilo que eu considero… não sei o que considero. É um puta filme, vão assistir.

3. Mad Max: Estrada da Fúria: não teve filme em 2015 como Estrada da Fúria. Frenético, emocionante e impecável. Eu saí dessa corrida querendo voltar e sentir ela toda de novo. Eu voltei, e senti. São poucos filmes que conseguem fazer isso.

4. Vício Inerente: eu não continuo gostando tanto do novo do Paul Thomas Anderson como eu gostei na hora que eu vi — mas ele continua sendo um dos melhores filmes que eu vi nesse ano, é uma pena que não tenha crescido tanto.

5. Adeus à Linguagem: eu não consigo explicar até agora o que foi que eu vi aí. Mas eu vi. Doeu. Foi bom demais.

Melhores filmes vistos em casa

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1. U.S. Go Home

Eu não sei o que foi isso, mas U.S. Go Home foi uma das coisas mais fantásticas que eu já vi na minha vida. É pequeno, é simples, é honestíssimo e conversa comigo mais do que eu gostaria.

Vai ver por isso eu amei ver ele, e assim que ele acabou eu decidi que ia esperar para ver ele de novo. U.S. Go Home é estranho porque é bastante específico, e ao mesmo tempo universal (eu comentei algo parecido com Weekend, no início de 2013). Mas U.S. Go Home é… nossa, é demais. Aquela cena no ônibus, como eu já estive numa situação daquelas. Mais de uma vez, mais de cinco, talvez mais de dez. E mesmo assim, é mágico ver como aquilo está na tela, é tão cinematográfico. É tão fascinante. Aqueles jovens.

E aquele olhar, no final, no início da manhã. Que noite inesquecível. Que filme inesquecível.

E também:

2. Tomates Verdes Fritos: meus filmes favoritos são sobre personagens — e eu quero viver com essas duas pelo resto da minha vida.

3. Citizenfour: um dos documentários mais bacanas que eu já vi, e um dos momentos mais decisivos que eu já vi em frente a uma câmera.

4. The Turning: irregular, talvez. Mas The Turning é uma sensacional jornada pelas gerações de uma família — e uma puta vitrine do cinema australiano.

5. A História da Eternidade: quando um filme é tão perfeito a ponto da natureza respeitar ele.

Melhores surpresas:

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1. U.S. Go Home

Eu realmente não esperava amar tanto um filme esse ano como eu amei U.S. Go Home. É algo que ainda está comigo, mais de um mês depois de eu ter assistido. E não são só os personagens — eu vejo filmes por causa dos personagens — mas em como eles estão próximos de mim, como eu consigo sentir eles, sentir aquele vento da noite, aquela inquietação.

Claire Dennis, conheço pouco e já gosto muito.

E também:

2. Divertida Mente: eu já esperava um filme bom, mas não sabia que a Pixar ia me fazer isso.

3. Mad Max: Estrada da Fúria: testemunhem o grande filme de ação da nossa geração.

4. O Abrigo: uma das recomendações do DissolveO Abrigo é um dos menores e mais bem-resolvidos filmes que vi esse ano.

5. Acima das Nuvens: pouca gente viu, muita gente deveria. Oliver Assayas é sensacional.

Piores filmes:

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1. O Amigo Oculto: visualize um filme do Shyamalan, coloca a Dakota Fanning com o cabelo pintado e gritando, coloca o Robert DeNiro naquela boa vontade dele de atuar das últimas décadas. Boas vindas ao inferno.

2. Amaldiçoado: volta pro livro, Harry Potter.

3. Heli: eu me odeio mais do que eu odeio esse filme porque eu me fiz ver ele duas vezes.

4. Deus não está morto: crenças a parte, é um filme muito ruim.

5. Pokémon: Jirashi, Realizador de Desejos: então…

Melhores filmes:

Paris, Texas

1. Paris, Texas

Sabe aquela época que eu dizia que era impossível ter um filme favorito?

Então, eu era um idiota.

Paris, Texas não é só o meu filme favorito.

É o motivo por eu amar filmes. Por eu olhar pra tela do cinema e me sentir em casa. Por eu olhar personagens, e querer acompanhá-los.

É o melhor filme que eu já vi na minha vida.

É o mais importante pra mim, também.

E também:

2. Uma Mulher Sob Influência: Gena Rowlands e John Cassavetes continuam me destruindo cada vez mais toda vez que eu olho esse filme.

3. Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo: tenho sérias dúvidas se esse não é o meu filme mais “caramba eu não quero deixar de ver isso nunca”. Provavelmente é.

4. Além da Linha Vermelha: nunca a guerra foi tão devastadora — e tão bela.

5. A Rede Social: discutam o quanto quiser, esse é o Cidadão Kane do cinema digital, em todos os sentidos possíveis.

365 dias em 365 filmes

Eu devia ter feito esse post no dia primeiro, mas a semana foi tão corrida que, perdoem-me, só pude postar hoje. Já fazem quatro dias do ano novo e, como vocês podem ver, o projeto de ver um filme diferente a cada dia durante um ano foi concluído.

Quando eu fiz meus planos de ver um filme diferente por dia, ainda em dezembro de 2012, eu não tinha pensado em começar um blog (na verdade, a ideia do blog veio só no meio de fevereiro, o que me fez escrever vários posts madrugada a dentro pra dar conta dos filmes que eu tinha visto antes). Eu estava fazendo um log de todos os filmes no MUBI, mas percebi que o banco de dados de filmes deles ultimamente está deixando a desejar, então parti pro Letterboxd, onde eu posso indicar como e quando eu vi o filme. Mas eu lembrei que eu adorava fazer posts no Pão com Mortadela com filmes que eu gostava de ver e, durante o hiato do site meu e do Fillipe, eu vi que nascia aí a oportunidade de desenvolver as ideias que os filmes me passavam através de pequenas notas aleatórias. Daí, sim, eu precisava criar o blog.

E foi ótimo, principalmente porque é muito mais perceptível o quanto tu evolui um filme ao dissecá-lo, mesmo que pra si mesmo. Muitos filmes ficaram melhores depois que eu comecei o que eu poderia escrever no post, o que eu tinha absorvido da experiência. Outros, foi a reação que o post teve, como em Precisamos falar sobre o Kevin, onde eu e a Manu discutimos as diferenças cruciais entre o livro e o filme, que tornam a experiência de assistir ainda mais deliciosa.

Muitos filmes faltaram, eu admito. Nesses 365 dias de filmes eu queria ter planejado melhor quais eu veria e quando. Ocorreu de eu ter que assistir, muitas vezes, coisas aleatórias na Netflix ou na HBO, porque eu tinha esquecido de alugar ou comprar os filmes da semana, e por isso muitos filmes do Bergman, Rohmer, Truffaut, Godard, Trier, Scorsese e Hitchcock não entraram na lista. Outros, como E.T., foram perpetuamente adiados pra um dia melhor e acabaram não levando a chance, o que me deixou chateado comigo mesmo. No geral, porém, eu acho que foi tudo muito bom. Eu finalmente consegui desenvolver um gosto por um tipo de cinema específico (que você pode facilmente perceber ao ver a lista completa de filmes), descobri diretores que há tempos eu estava interessado em explorar, comprovei um ou outro novos favoritos e, principalmente, conheci muito, mas muito filme bom.

E a isso eu devo agradecer a quem me ajudou e participou. À Manu, que sempre tinha uma consideração sobre um filme que ela viu ou queria ver — o que sempre acaba me ajudando a desenvolver os meus próprios argumentos; à Ana e a Thiana, que me forneceram um acervo de obras fantásticas e me indicaram as obras-primas de Tarkovsky, já um dos meus diretores favoritos; ao Seu Felipe, que tem uma coleção de filmes invejável e que eu pude usufruir nos melhores posts do blog; ao Zé, que nunca errou numa recomendação sequer e sempre arranjou um tempo pra discutir cinema comigo, a hora que fosse; e também à Vitrine Filmes, Diamond Films, Imovision e Warner Bros., que me concederam ingressos de cabine pros filmes O Som Ao Redor (a Vitrine me deu, inclusive, uma cópia em 1080p no iTunes), Antes da Meia-Noite (a Diamond me deu um pôster em tamanho gigante do filme, também), Tabu e Gravidade (em IMAX, te amo WB).

Enfim, foi ótimo. Se 2013 foi um ano complicado, todos esses filmes que me acompanharam fizeram valer o custo (eu gastei muito em ingressos, DVDs e blu-rays) e o tempo gastos. Foi uma experiência muito bacana que, agora, entrando na faculdade de Cinema, eu acho que vai me enriquecer ainda mais.

Como não podia deixar de ser, esse post de finalização tem, também, algumas listinhas de melhores e piores do ano.

Melhores filmes vistos no cinema

HER

1. Ela / Antes da Meia-Noite

Eu não consegui escolher entre Ela e Antes da meia-noite. Ambos me ofereceram experiências parecidas ao assistir, e ainda assim únicas.

O romance de Spike Jonze me ofereceu uma sensação de alegria e esperança que nenhum filme esse ano me passou — um feito mágico ao retratar um futuro assustador, mas fascinante. É uma obra bastante simples de um homem que se apaixona por uma máquina, mas que abre questões incríveis sobre como interagimos hoje, em que passamos mais tempo nos comunicando com a Siri do iPhone do que com nossos amigos. Claro, essa é apenas a mais leve das interpretações do tema do filme, mas ele realmente se destaca pelo seu tratamento deliciosamente lúdico e agridoce em trazer um personagem que carrega consigo tamanha tristeza, mas sem nunca se transformar em um filme deprimente. Ao contrário.

Já o terceiro capítulo da saga romântica de Richard Linklater finalmente olha pro presente. Se em Antes do Amanhecer Jesse e Celine exploravam seus sonhos pro que lhes aguardava; e em Antes do Pôr-do-Sol o casal via o tempo gasto sem estarem juntos nos nove anos que os separavam; aqui em Antes da Meia-Noite eles finalmente tratam do agora, em um dos filmes mais bem estruturados que eu já vi. Composto de pequenos atos em tempo-real durante um dia, Jesse e Celine discutem as contas, os trabalhos, os filhos e, ao final, onde eles estão agora como um casal. Seria uma experiência deprimente se fossem apenas um pai e uma mãe brigando na tela, mas vai muito além disso: são dois velhos amigos do espectador finalmente alcançando o que tanto esperamos — a real intimidade. É muito mais realista e sério que os filmes anteriores, mas é uma jornada que vale muito a pena acompanhar.

E também:

2. Tabu: o filme de Miguel Gomes é o tributo mais apaixonado já feito do cinema por ele mesmo. Uma viagem mágica ao cinema mudo para relembrarmos da magia das imagens em movimento.

3. A Caça: um drama assustador de até onde vai a humanidade das pessoas, Vinterberg cria aqui um tenso conto que, a todo o instante, me deixou na ponta da poltrona.

4. Frances Ha: não tive esse ano uma aproximação tão grande quanto a que tive com Frances. Em uma comédia deliciosa, Frances exibe toda a sua tristeza interior (em uma das sequências mais mágicas que eu vi) quando percebe que os sonhos que carregava não podiam ser alcançados.

5. Gravidade: fale o que quiser dos problemas narrativos do filme de Afonso Cuarón, não teve em 2013 uma experiência tão magnífica no cinema do que assistir o desesperador conto de renascimento da dra. Stone no vazio do espaço.

Melhores filmes vistos em casa

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1. Uma mulher sob influência

O filme de John Cassavetes abriu meus olhos pro que eu realmente amo no cinema: os personagens. E Uma mulher sob influência é apenas personagens e uma câmera.

Cassavetes filma Mabel com a câmera vidrada em seu rosto, não dá pra tirar. Uma mulher sob influência documenta como as guerras iniciam: quando uma pessoa não pode aceitar o modo de vida de outra. E Mabel, coitada, não é aceita com todo o afeto que tem pra dar, todo o amor que sente pelo marido e que ela não consegue uma resposta. É triste perceber como ela tenta ao máximo ser o suporte necessário, ser a mãe confiável, a esposa exemplar. E como isso pesa nas suas costas. Ela carrega o peso do mundo com ela, e você sente tudo porque Cassavetes a filma de uma maneira tão peculiar, como se você estivesse sob a pele dela, sentindo as texturas que ela sente, o peso da cabeça que ela também sente. É uma pequena odisseia sobre o conflito familiar, mas não aquele que travamos com os outros em casa: aquele que travamos com nós mesmos.

E também:

2. Zodíaco: não teve filme que eu vi mais esse ano que Zodíaco, e parece que não vi um número suficiente de vezes.

3. O Sacrifício: a despedida de Andrei Tarkovsky é exatamente aquilo que seu cinema representou: o delírio fascinante de um homem que precisava externar seus medos e seus sonhos — e que resultou, ao final, na mais fascinante carta de despedida do cinema.

4. Fanny & Alexander: o épico da infância de Bergman é uma daquelas experiências íntimas que você não pode deixar de rever seu próprio passado. E, aqui, de explorar como ela influenciou o teatro e o cinema do maior diretor de todos os tempos.

5. Terra de Ninguém: eu vivo pra assistir obras como a estréia de Terrence Malick.

Melhores surpresas

Cena de Weekend (2011)

1. Weekend

O filme de estréia de Andrew Haigh é uma das obras cinematográficas mais intimistas que eu já vi. Um trabalho excepcional de desenvolvimento de personagens em meio a discussões sobre sexualidade e relacionamentos em um dos filmes mais contemporâneos que o cinema contemporâneo conseguiu nos trazer.

A intimidade com que Weekend nos leva para dentro dele é imensa. Vemos o pequeno flat de Russell e como, em dois dias, ele e Glen descobrem a si mesmos mais do que nunca. Uma obra excepcional e de uma sensibilidade que raramente se vê no cinema. E fica ainda melhor se você assistir os comentários do diretor no blu-ray da Criterion.

E também:

2. Frances Ha: eu não esperava me aproximar tanto do que Frances sentia e mentia nesse pequeno conto.

3. Martha Marcy May Marlene: impossível você não ficar duas horas parado olhando para a tela da TV depois daquele horripilante plano final.

4. Stalker: eu acho que esse é o mais fascinante filme que eu já vi.

5. Tabu: eu pensando que era uma daquelas obras autorais insuportáveis, mas na verdade é uma (belíssima) canção de amor ao cinema.

Piores filmes:

project-x

1. Projeto X — Uma festa fora de controle: me estraga só em lembrar que eu vi uma coisa dessas.

2. O Conselheiro do Crime: o que houve, Ridley Scott?!

3. Truque de Mestre: queime antes que se prolifere.

4. A Viagem: os irmãos Wachowski comprovam que quando se trata de cinema eles são ótimos em não fazer nada direito.

5. Moulin Rouge! Amor em vermelho: só pra me lembrar o porquê de eu odiar musicais.

Melhores filmes:

before-midnight

1. Uma mulher sob influência

Uma mulher sob influência me mostrou o que realmente é significativo na hora de fazer e ver um filme: conseguir sentir o que o personagem está sentindo. E ele faz isso como nenhum outro filme que vi nesse ano. É uma obra poderosa sobre como, e porque, o cinema existe e funciona, e o exemplo definitivo de que não há como expressar sentimentos na arte de maneira mais profunda que um intérprete, um operador de câmera e um exímio diretor.

E também:

2. Antes da meia-noite: porque o cinema é feito de pessoas — e assistir as duas pessoas mais fascinantes do cinema evoluindo o que elas já haviam desenvolvido no passado é a coisa mais incrível de se ver.

3. Tabu: a narração do segundo ato é a mais linda e poderosa escolha narrativa que eu já vi.

4. O Sacrifício: Tarkovsky monta o mais incrível cenário — se o fim do mundo está anunciado e próximo, o que podemos fazer para evitá-lo?

5. Zodíaco: não há exemplo melhor de perfeição cinematográfica.


É isso pessoal. Em 2014 eu não vou continuar a ideia de ver um filme diferente por dia, até porque eu preciso me organizar pra faculdade e duvido que tenha o mesmo pique do ano passado, um ano de férias prolongadas. Mas eu continuo vendo muitos filmes, então você pode acompanhar no Letterboxd quais filmes eu vi e o que eu achei deles. Eu e o Fillipe voltaremos pro Pão com Mortadela em março, onde eu continuarei comentando sobre filmes, além de você poder falar comigo e ler qualquer coisa que eu escrevo no Twitter.

Não digo que eu nunca mais vá atualizar esse blog. Ele ficará aqui, para um provável ano que eu me dedique a fazer essa jornada de novo. Se ela vai acontecer, e quando, eu não posso confirmar. Mas né, não custa deixar no ar.

Até mais.

O Rei Leão (The Lion King, 1994)

“Tudo isso que o sol toca será seu” diz Mufasa ao seu filho Simba. A passagem de trono será difícil, uma vez que o irmão de Mufasa, Scar, deseja o reino para si e nada o impedirá de conquistá-lo — nem matar o próprio irmão.

A história acima podia ser contada em qualquer filme. Mas é de O Rei Leão, o mais adulto e cruel filme da Disney ao lado de BambiDumbo. Um conto de traição, honra, coragem e amizade, que tem suas bases estabelecidas em contos bíblicos e em Hamlet de Shakespaere, O Rei Leão é o melhor filme de animação já feito. E aí vão os motivos.

Poucos filmes conseguem encenar a força de Hamlet. E, aqui em O Rei Leão, a Disney não só faz uma das mais bem sucedidas tentativas como também cria uma fábula para que crianças possam lidar com os temas sombrios do conto. A traição de Scar, a culpa de Simba, o hakuna matata como mantra… O Rei Leão, igualmente como fazem outros clássicos da Disney, torna temas que o cinema tem muito problema ao tratar e o coloca em imagens simples (uma vez que, naquela época, a animação não investia em movimentos de câmera como investe hoje). Não só os temas sombrios, como a amizade e o companherismo irrestritos de Timão e Pumba, criam personagens já eternizados na película.

Então, Hamlet na selva é só o que O Rei Leão tem a trazer? Não, absolutamente. Ao contar uma história de temas universais em um desenho animado, a Disney tem um feito que talvez seja a única a conseguir empregar no cinema ocidental. Há muita interpretação adulta a ser tirada da fábula, mas a história vista por crianças, de um leão indo tomar seu lugar de direito, é extremamente bem conduzida e envolve emoções diversas na pequena duração do filme. Da tristeza ao ver Mufasa cair para a morte (e, ao rever no cinema em 2011, várias crianças parecem não ter aguentado e os pais precisaram levar a pobre alma para fora da sala), à felicidade ao ver Timão e Pumba explicarem o que o hino pessoal do hakuna matata significa. Criar, em uma jornada de menos de uma hora e meia, um épico de coragem e inflar ele com vida é algo que poucos cineastas conseguiram fazer com atores reais. A Disney o fez com desenhos.

  • Prós: tudo, O Rei Leão é o conto que o cinema de animação nasceu para criar;
  • Contras: nenhum.
  • Veredicto: em O Rei Leão, a Disney não coloca seus desenhos na história porque já o fez muito antes, mas puxaria pra cima a barra do que é possível com animação, explicitaria que não é o meio que faz a mensagem, mas os seus personagens, e imortalizaria Simba, Timão e Pumba como personagens tão cinematograficamente necessários quanto a família Corleone ou o pobre Kane.

O Rei Leão (The Lion King, 1994). Estados Unidos. Dirigido por Roger Allers, Rob Minkoff; escrito por Irene Mecchi, Jonathan Roberts, Linda Woolverton; trilha-sonora composta por Hans Zimmer; com a arte de Tim Allen, Kathy Altieri, Sunny Apinchapong, Ruben A. Aquino, Barry Atkinson, Hans Bacher, Dale Baer, Tom Bancroft, Tony Bancroft, James Baxter, Aaron Blaise, Rejean Bourdages, Ken Boyer, Robert Bryan, Dave Burgess, Brooks Campbell, Randy Cartwright, Michael Cedeno, Lorna Cook, Dan Cooper, Anthony de Rosa, Andreas Deja; com as vozes de Jonathan Taylor Thomas, Matthew Broderick, Jeremy Irons, James Earl Jones, Moira Kelly, Nathan Lane, Niketa Calame, Ernie Sabella, Robert Guillaume.

Up — Altas Aventuras (Up, 2009)

O prólogo de Up — Altas Aventuras, em que conhecemos Carl e Ellie, duas crianças fascinadas por um explorador da natureza e que, com o passar dos anos, se casam, descobrem que não podem ter filhos, envelhecem e, ao final, se despedem, é feito sem uma linha de diálogo. Ele comprova a capacidade da Pixar em criar cinema da mais alta categoria, aquela em que a imagem se sustenta sozinha, e como o estúdio consegue dar alma a seres animados que extrapolam a expressão artística de atores renomados.

E, durante todo o filme, Up surpreende por essa alma. Dirigido pelo Pete Docter de Monstros S.A., o filme mais físico da Pixar, Up junta aquela comédia exclusivamente cartunesca do já clássico filme de 2001 com a emoção dramática oriunda de seus filmes de gênero mais sensacionais, Os IncríveisRatatouilleWALL-E e o vindouro Toy Story 3. Se não é uma realização tão perfeita quanto este último, Up se comprova como um dos melhores filmes de animação do cinema recente ao conseguir colocar em filme, ainda mais animado, a alma de seus personagens.

Quem diria que um grupo formado por um velho rabugento de 78 anos, um atrapalhado escoteiro de 8 (com um problema familiar sério que é tratado no filme com uma sutileza ímpar), um cão com uma coleira que traduz o que ele fala (e que rende as sequências mais geniais do filme), e uma ave rara que precisa levar comida aos filhotes poderia resultar em uma obra do cinema que remete aos clássicos filmes de aventura da década de 50, com todo aquele universo lúdico e deliciosamente improvável, em que a Pixar dá mais uma de suas lições de como se faz um bom cinema?

  • Prós: tudo. Up — Altas Aventuras é mais uma prova de que a Pixar, mesmo com seus tropeços recentes, é o maior celeiro de ideias do cinema ocidental.
  • Contras: nenhum.
  • Veredicto: independentemente de te fazer chorar ou não, Up te faz primeiro apreciar. Uma obra que reúne tudo aquilo que o cinema já fez de bom em uma viagem que te faz sorrir durante todo o percurso não é pra qualquer um. Uma obra sensacional.

Up — Altas Aventuras (Up, 2009). Estados Unidos. Escrito e dirigido por Pete Docter, Bob Peterson; editado por Kevin Nolting; trilha-sonora composta por Michael Giacchino; com as vozes de Christopher Plummer, John Ratzenberger, Delroy Lindo, Edward Asner, Paul Eiding, Jordan Nagai.

A Vida Secreta de Walter Mitty (The Secret Life of Walter Mitty, 2013)

Eu esperei empolgado por A Vida Secreta de Walter Mitty por ser um filme dirigido por Ben Stiller, que fez o excelente Trovão Tropical e tinha uma noção cirúrgica de ironia. Aqui, porém, ele conta a história de um homem que acorda para a vida e viaja ao mundo para se encontrar. Sim, é tipo um Forrest Gump. Igualmente ruim.

É uma pena, mas A Vida Secreta de Walter Mitty é extremamente falho. Ele mostra como a beleza do mundo está em como você enxerga a vida, mas não hesita em colocar legendas nas imagens (sim!) e usar computação gráfica para deixar tudo mais bonito (sim?!?!!?!?!??!?!). A vida secreta de Walter rapidamente deixa de ser interessante e a sua grande aventura não é tão grande assim.

Uma decepção.

  • Prós: a trilha-sonora tem boas músicas.
  • Contras: pra ver uma apresentação de slides eu só preciso instalar o PowerPoint.
  • Veredicto: é um filme fraco, sem ritmo e que, em seus melhores momentos, está citando filmes como O Curioso Caso de Benjamin Button. É uma pena, eu esperava um bom filme.

A Vida Secreta de Walter Mitty (The Secret Life of Walter Mitty, 2013). Estados Unidos. Dirigido por Walter Mitty; escrito por Steve Conrad, James Thurber; fotografado por Stuart Dryburgh; editado por Greg Hayden; com Ben Stiller, Kristen Wiig, Sean Penn, Shirley MacLaine, Adam Scott, Kathryn Hahn, Patton Oswalt, Joey Slotnick.

A bela Junie (La belle personne, 2008)

Eu demorei pra aceitar que era a mesma Léa Seydoux que atuou em Azul é a cor mais quente a atriz que atua aqui em A bela Junie. Isso não só por causa da transformação estética, mas é uma maneira bem diferente de interpretar a personagem que ela usa lá e cá. No épico de Kachiche, Seydoux usa uma brutalidade corporal para representar Emma. Aqui, como Junie, ela usa uma fina sutileza.

Isso prova a qualidade de Seydoux em um filme um tanto problemático. A bela Junie é um bom filme sobre uma jovem que se apaixona pelo professor de Italiano, mas que nega o sentimento a si mesma. É tudo muito bonito (a fotografia do filme é um charme), mas parece que A bela Junie sofre da mesma languidez de Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci: é tão surreal e tão desformado que irrita.

Seus personagens são jovens de 16 anos que estão nem aí (uma verdade, vale dizer), a história fala sobre o primeiro contato com paixões, e como notamos após essa primeira paixão que as paixões em si não são feitas para durar. Para isso, Honoré, o diretor, usa artifícios de Bertolucci no irritante filme de 2003: atores jovens e bonitos que não sabem atuar bem (à exceção, aqui, de Seydoux e Garrel), um roteiro bastante sem fôlego (parece que tudo é feito numa má vontade latente), e uma conclusão preguiçosa. Isso parece um mal do cinema jovem francês: a visão que se tem é como se todos estivessem sempre com sono porque os problemas hormonais deixam cansado. A bela Junie, embora interessante em seu tema, me deu sono.

  • Prós: as boas atuações de Léa Seydoux e Louis Garrel;
  • Contras: o fraco ritmo da história.
  • Veredicto: eu não gosto de Os Sonhadores e vi muitas semelhanças com A bela Junie, o que logo me irritou. Ambos são filmes que tratam a juventude de uma forma bastante preguiçosa e dissimulada. Este filme, porém, é bastante melhor por duas atuações bacanas — uma pena que o roteiro degringola.

A Bela Junie (La Belle Personne, 2008). França. Escrito e dirigido por Christophe Honoré; fotografado por Laurent Brunet; editado por Chantal Hymans; com Léa Seydoux, Louis Garrel, Esteban Carvajal-Alegria, Grégoire Leprince-Ringuet, Simon Truxillo, Agathe Bonitzer, Anaïs Demoustier, Jean-Michel Portal, Martin Siméon, Valerie Lang, Jacob Lyon.

Fantasia 2000 (1999)

Fantasia 2000 é um sonho realizado. Animações feitas por mestres sob medida para músicas clássicas compostas e conduzidas por mestres. É um filme que o mercado não aceitaria hoje (já não aceitou em 1999, então imagina). Mas é uma experiência sinestésica como nenhuma outra.

A introdução, com a Sinfonia no. 5 de Beethoven, com a luta do bem e do mal é algo que eu até hoje revejo na minha mente quando escuto a performance em qualquer lugar; Pini di Rome, com as baleias que sabem voar, talvez seja um dos pontos mais fascinantes de toda a história da animação americana; a Nova York de 1930 com Rhapsody in Blue é um delicioso delírio sinestésico; o Soldadinho de Chumbo em Piano Concerto No. 2 talvez seja o ponto que eu menos goste em Fantasia 2000, mas não deixa de ser lindo; Le carnaval des animaux, uma dança com flamingos e um io-io, é uma das experiências mais cinemáticas que eu já tive; O Aprendiz de Feiticeiro, um relançamento do curta mais conhecido do Mickey, mantém sua magia; Pomp and Circumstance Military Marches refaz o conto da Arca de Noé com o Donald no curta mais carismático do filme; e Zhar-ptitsa retrata a batalha de uma ninfa com uma ave de fogo não só no mais lindo curta da compilação, mas na maior realização que o Walt Disney Pictures já alcançou.

É lindo, é empolgante e emocionante. Fantasia 2000 não é tão bom quanto o original porque troca as introduções vindas de comentaristas de Opera por atores bem-cotados, como Steve Martin; e talvez alguns segmentos sejam ingênuos demais perante às obras musicais. Mas como um todo, Fantasia 2000 é uma realização cinematográfica que exemplifica porque o cinema é uma arte hoje tão influente quanto a música. Como a imagem em movimento, assim como as composições sonoras, conseguem trazer toda uma humanidade para um segmento de vinte minutos.

  • Prós: todos os segmentos de Fantasia 2000 são uma comprovação do cinema como bela arte — e um experimento sinestésico único;
  • Contras: a adaptação de certos elementos do filme original, tornando-os mais acessíveis para uma geração mais nova;
  • Veredicto: belo de se ver e de se ouvir, Fantasia 2000 é um ensaio de como o cinema é a arte que é — e uma realização do cinema animado que nunca havia sido alcançada antes.

Fantasia 2000 (1999). Estados Unidos. Dirigido por James Algar, Hendel Butoy, Francis Glebas, Eric Goldberg, Don Hahn, Pixote Hunt, Gaëtan Brizzi, Paul Brizzi; escrito por Eric Goldberg, Hans Christian Andersen, Joe Grant, Perce Pearce, Carl Fallberg, Gaëtan Brizzi, Paul Brizzi, Brenda Chapman, Elena Driskill, Irene Mecchi, David Reynolds; fotografado por Tim Suhrstedt; editado por Jessica Ambinder-Rojas, Lois Freeman-Fox, Julia Gray, Craig Paulsen, Gregory F. Plotts; com obras musicais de Ludwig van Beethoven, Ottorino Respighi, George Gershwin, Dmitri Shostakovich, Camille Saint-Saëns, Paul Dukas, Edward Elgar, Igor Stravinsky.

O Viajante (Homo Faber, 1991)

Walter Faber sobrevive a um acidente de avião, então faz sua próxima viagem de navio. Nesse navio, conhece Sabeth, uma jovem linda e encantadora que, embora mais jovem, reacende em Faber uma paixão que ele, em seu modo de vida bastante metódico e controlado, pensou não existir mais. A partir daí, o destino antes bastante racional de Walter se transforma em algo imprevisível — e impiedoso.

A trajetória de O Viajante começa misteriosa e intrigante, se desenvolve com uma inteligência ímpar, e absorve o espectador para a história. Termina com um melodrama inexplicável, mas esse é realmente o de menos. Se o que mais importa é a viagem e não o destino, O Viajante comprova que a jornada realmente vale a pena.

Quase um road movieO Viajante apaixona o espectador justamente pela viagem. Por como a trajetória dos personagens espelham mudanças neles mesmos, nos intrigando a todo o momento. No momento da revelação final (que você pode supor lá pela metade do filme), o filme desanda mais pela forma que o diretor trata o tema do que como os personagens reagem. O Viajante é bom o suficiente para nos aproximar dos seus personagens e não da intrigante história. É inteligente, uma vez que a mudança que os personagens sofrem durante a viagem é bem mais interessante do que ela em si.

  • Prós: bons personagens e boas conversas.
  • Contras: o final que puxa pro melodrama e se perde bonito.
  • Veredicto: O Viajante, no final, nos entrega pessoas fascinantes e boas conversas na viagem. É uma boa viajem por causa das pessoas que a fazem. E não para onde ela leva.

O Viajante (Homo Faber, 1991). Alemanha, Reino Unido, França, Grécia. Dirigido por Volker Schlöndorff; escrito por Rudy Wurlitzer, Max Frisch; fotografado por Giorgos Arvanitis, Pierre Lhomme; editado por Dagmar Hirtz; trilha-sonora composta por Stanley Myers; com Sam Shepard, Julie Delpy, Barbara Sukowa, Dieter Kirchlechner, Traci Lind, Deborra-Lee Furness, August Zirner, Bill Dunn, Peter Berling, Charley Hayward.